VIDA E  CONSCIÊNCIA

 

SWAMI SHRADDHANANDA – “VENDO DEUS EM TUDO”

 

Nas escrituras hindus a palavra “vida” significa tanto prana, que quer dizer força vital, como chaitanya, ou consciência. Ambas, vida e consciência estão dentro do contexto de nossas experiências de vida em cada dia. Sentimos que estamos vivos e que estamos conscientes. Ninguém precisa realçar isso para nós. Normalmente prana e chaitanya parecem estar entrelaçados. Em nossa vida diária isso não importa. Mas grande sabedoria espiritual pode emergir se examinarmos as duas coisas cuidadosamente e, se possível, as separamos uma da outra.

Prana é o princípio interno que nos mantém vivos. Qualquer coisa viva – seja humana, animal ou planta – assim o é pelo poder de prana. E além do mais, a filosofia Hindu estende o conceito de prana para todas as formas de energias em adição à energia biológica. Qualquer tipo de energia, tal como o calor, a luz ou eletricidade se enquadra no escopo de prana. No entanto, para a presente discussão, prana ficará limitado ao princípio de vida nos seres vivos.

Sabemos que a respiração é o mais evidente sinal de atividade da vida. Se pararmos de respirar por alguns poucos minutos iremos morrer. O ar é, portanto, o mais importante fator de contribuição na operação de prana. Mas existe um outro elemento na natureza que também é essencial para a sustentação de prana e este é a água. Sabemos que podemos passar sem nos alimentar por vários dias mas não podemos viver muito sem água. O Chandoya Upanhishad diz, “a água permeia o princípio vital.”

Ao lado da respiração o prana atua de muitas outras maneiras. É o prana que está por trás da circulação do sangue, da digestão, e de outros processos fisiológicos do corpo. O prana é um princípio unificador: as células do corpo, a circulação do sangue, os órgãos digestivos, o coração, os pulmões, etc., todos tem as suas funções distintas mas o princípio unificador que coordena esses diferentes elementos é o prana. Quando essa coordenação é perdida, ficamos doentes; quando a coordenação é perfeita, nos mantemos saudáveis. Por exemplo, se existe alguma ferida em qualquer parte do corpo, células de outras partes do corpo se apressam para ir para lá reparar o dano. A fisiologia contemporânea descobriu muitos segredos maravilhosos sobre o princípio do prana trabalhando dentro de nós; ele é um poder unificador e central no corpo vivo.

Prestando um pouco de atenção podemos sentir o prana nas várias partes do corpo. Se prestamos atenção na respiração, podemos sentir o prana trabalhando nos pulmões. Podemos sentir o bater do coração, a circulação sanguínea e o fluxo nervoso. O mesmo prana trabalha em todos esses processos fisiológicos. As escrituras Yoga e Vedanta nos informam que o grande poder de prana pode ser utilizado em nossa evolução espiritual.

Não somos apenas unidades biológicas ou psicológicas: nossas vidas tem uma fronteira espiritual através da qual podemos nos elevar até a nossa verdadeira e imortal natureza. A vida espiritual é a aventura que nos eleva de nosso status biológico e psicológico para o nível espiritual, e nesta aventura prana é um fator de contribuição muito importante. Prana não necessita permanecer no nível biológico; ele pode ser elevado a um nível mais elevado através as técnicas descritas nas escrituras Yoga e Vedanta.

Patanjali, o grande instrutor da filosofia Yoga, diz, “Yoga é a supressão das ondas mentais.” O chitta, ou mente, está continuamente produzindo vrittis, modificações mentais. Uma vez dominados esses vrittis, podemos ter um lampejo do Ser que está por trás da mente.

Há uma íntima conexão entre a respiração e a mente. Quando a mente está concentrada, a respiração é lenta. Quando olhamos para uma maravilhosa paisagem com admiração, sentimos que a respiração quase para; usamos a expressão “sem fôlego”, “fiquei sem fôlego” ou “ouvindo isso me deixa sem fôlego.” O que isso quer dizer? Quer dizer que o movimento de prana através da respiração diminuiu; sua energia foi transferida para a intensa percepção da mente.

Nas técnicas de yoga, a prática de vários exercícios para ritmar a respiração, ou pranayama, é acompanhado pela concentração na energia de prana. Quando ficamos excitados, a respiração se acelera e o prana também se torna excitado. Por outro lado, se o prana se torna lento e harmonioso, a mente também se torna harmoniosa e calma. Pelo pranayama, o prana é impedido de atuar em seu modo biológico sendo levado a trabalhar de maneira controlada e sutil.

O motivo principal de pranayama é alcançar a calma mental. Mas o pranayama também promove uma transformação no próprio prana; ele é elevado do nível biológico para o nível espiritual.

Patanjali descreve várias práticas para controlar a mente; um método é a concentração. Se, pelo poder da vontade, a mente é focada sobre um objeto particular como uma deidade, uma palavra sagrada, ou um objeto material agradável, as ondas mentais perturbadoras se acalmam e a compreensão da Realidade espiritual, o Atman, se torna mais fácil. Em qualquer caso, é importante que a mente se mantenha controlada e harmoniosa. A mente então se torna calma e auxilia nossa prática espiritual.

Os Upanishads prescrevem o método de compreender prana em um nível mais profundo. Essa compreensão em si mesma purifica e controla o prana de forma muito efetiva. A purificação do prana significa elevar o prana a um nível em que ele cessará de ser biológico – ele será uma força espiritual. Isso pode ser realizado por meio de algumas meditações especiais que são descritas nos Upanishads.

O ponto de partida nessas meditações é a análise do prana. O que é o prana? Conhecemos o prana dentro de nosso próprio corpo mas ele também atua em outros corpos vivos. O buscador espiritual portanto deverá olhar para o prana na perspectiva de um princípio cósmico. O prana que está em mim também está em outros seres humanos bem como nos animais, pássaros e vegetação. Isto não é imaginação; podemos ver por nós mesmos estudando botânica e zoologia. Tais estudos nos ajudam a compreender a ação do prana. Vamos ver como prana atua e então trazer essa observação para o foco de nossa contemplação. Reflitamos sobre o fato de que o prana que atua em nós é o mesmo prana que se move nas plantas, animais, pássaros e mesmo micróbios. Por essa meditação a mente se torna calma. Não apenas a mente mas o prana dentro de nós se torna purificado no sentido de que se torna universal e livre.

Nos Upanishads a este prana cósmico foi dado o status de uma deidade, e apresentado por vários nomes. Meditar sobre o prana no nível cósmico produz efeitos maravilhosos. Aqueles que podem pensar que o prana dentro deles é uno com a vida cósmica desenvolvem grande serenidade mental; a sua visão se torna muito ampla. O seu apego a esta breve vida e o medo da morte se afastam. Gradualmente eles sentem a sua identidade com a vida universal. Isso resulta em amor e compaixão para outros seres humanos e um sentimento de associação com a natureza.

A compreensão do prana, limitado em nossos sistemas psicológicos individuais, é importante também para trazer serenidade às atividades da vida. Através a prática de pranayama, a energia prana pode se tornar mais poderosa e harmoniosa. Isso por sua vez permite nossos órgãos físicos a trabalhar melhor e auxilia na prevenção e cura de muitos males. Muitas pessoas, principalmente ocidentais, são atraídas para a prática de asanas ( posições físicas ) e pranayama – não apenas visando a melhoria da saúde mas também para realçar a beleza e aumentar a longevidade. Mas a efetiva prática de yoga necessita outras disciplinas que muitos não estão preparados para assumir. O que se espera é que a vida seja vivida de forma limpa e pura. Veracidade, honestidade, desapego, ausência de desejos e castidade são as mais importantes disciplinas preliminares mencionadas nos Yoga Sutras. Quando acompanhadas por essas virtudes, asanas e pranayama podem certamente trazer novas dimensões para a nossa saúde física e mental. Mas não nos devemos esquecer que o objetivo yoga é alcançar a liberdade – liberdade espiritual – através o conhecimento de nossa verdadeira natureza, o Ser. Objetivos menores, tais como a melhoria do corpo e da mente, não deveriam ser enfatizados em excesso.

Quando vemos uma formiga se arrastando na mesa da cozinha em busca de um grão de açucar, compreendemos isso como sendo uma unidade de vida. Mas também podemos ver a formiga como uma unidade de consciência por seu comportamento decidido. Em outras palavras, essa unidade de vida é combinada com outro princípio, chaitanya, ou consciência. A mesma experiência é verdadeira com respeito a nós mesmos. Quando estou respirando, estou consciente de minha respiração. Sinto que sou tanto um entidade viva quanto um ser consciente. Portanto, em experiências normais, consciência e vida estão combinadas, juntas. E elas podem manter-se combinadas se não nos importamos com a realização espiritual. Para a vida biológica e psicológica, pouco importa se a consciência aparece mesclada com prana. Mas quando buscamos a iluminação espiritual, essa mescla deve deixar de existir.

A consciência é uma experiência auto-reveladora. Ninguém pode ser consciente externamente. Outra vez, quando vejo uma formiga rastejando na direção de um grão de açucar, deduzo que existe consciência nessa formiga. Se vejo um homem sentado imóvel contra uma árvore, eu penso, “está este homem morto”?Me aproximo dele e o toco. O seu corpo ali está mas quando coloco meu polegar debaixo de seu nariz posso identificar a ausência de respiração. Quando o empurro não há resposta. Então digo “Ele está morto.” A consciência nos outros não é uma experiência direta – ela é uma dedução; mas a minha consciência é uma experiência direta, espontânea para mim. Ela não necessita de qualquer outra prova. A consciência pode ser comparada com a luz, porque da mesma forma como a luz ela revela coisas. Através da consciência sei que este é o meu corpo; sei que são quatro horas; sei que estou com fome ou com raiva. Em outras palavras, o que quer que eu experimente precisa da luz da Consciência para sua revelação.

Prana tem suas limitações. A mente também tem suas limitações. Mas a Consciência também tem limites? Baseado nas experiências dos profetas e dos sábios, a Vedanta chega à conclusão que a Consciência é completamente separada de prana e da mente. É por isso que lemos nos Upanishads: “Ela é a vida da vida.” Isso quer dizer que a Consciência é mais essencial que o princípio da vida; é mais importante que o princípio psicológico. “Aqueles que conhecem a Vida da vida, o Olho do olho, o Ouvido do ouvido, a Mente da mente, realizaram o venerável Supremo Brahman.”

Os sábios antigos não afirmaram que a Consciência surge do cérebro. O cérebro é necessário como um instrumento no sistema biológico para unir o conhecimento com ação e coordenar as diversas partes do corpo. Mas a atividade cerebral não deveria ser identificada com a Consciência. Quando olhamos para nosso conhecimento das coisas, precisamos separar a Consciência dos objetos do conhecimento. Fazendo isso colocando-nos na posição de observador ou testemunha.

Podemos em nossa contemplação tentar observar nossos pensamentos e o bater do coração. Se continuamos o processo, vamos ver que essa observação é muito significativa. Esta observação gradualmente nos dá a convicção de que o “eu”, o observador, é diferente do que é observado. Na filosofia Vedanta isto é chamado de análise do profeta e do observado; no sânscrito, drgdrsya-viveka. O observador é o ser consciente em nós conhecido como Ser. O Ser não tem a limitação do corpo ou da mente ou do prana. Os Upanishads nos dizem que o Ser em nós – a fonte de nossa Consciência – é uma Realidade imutável; Ela não depende de qualquer outra coisa. Prana depende da água e do ar; o corpo e a mente dependem do alimento e muitas outras coisas. Mas isso não ocorre com a Consciência dentro de nós. A Consciência em nós é auto-existente, um princípio eterno que não tem nascimento nem morte.

Depois de compreender a natureza da consciência dentro de nós como o silencioso e imutável espectador do drama da vida, gradualmente avançamos para o próximo passo. Devemos conhecer a Consciência no nível cósmico. Devemos compreender que ali somente existe uma Consciência. “Aquelas pessoas sábias que vêem que a consciência dentro deles mesmo é a mesma e única consciência em todos os seres conscientes, alcançam eterna paz.”

Os Upanishads declaram: “tudo isto é o Ser.” Quando alcançamos o mais elevado conhecimento, vemos que o nosso Ser, a eterna Consciência, é a total Realidade, o supremo Deus. O que quer que experimentemos – qualquer fragmento do universo múltiplo – nada mais é que a projeção da Consciência. O sol, a lua, as montanhas, oceanos, milhões de seres vivos, prana, a mente – todas essas coisas são projetadas da eterna, essencial Realidade que é o nosso verdadeiro Ser.

A mais elevada verdade acerca da consciência é que qualquer coisa que experimentemos é Consciência. Precisamos desenvolver essa compreensão na vida espiritual. Das experiências simples e comuns precisamos ir para experiências mais ricas e mais elevadas. E finalmente, quando realizamos que todas as experiências são partes da Infinita Consciência, vamos alcançar o objetivo, o fim de nossa jornada espiritual.

A palavra “Vedanta” significa o “fim do conhecimento espiritual”. O conhecimento mais elevado é encontrar aquela última unidade em nosso próprio verdadeiro Ser.

 

 

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